>> Texto de meu amigo Claudemir Gomes (MIMO) - Jornalista
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Em tempos de coronavírus o distanciamento
social é essencial, principalmente para a minha geração. Em confinamento nos
sobra tempo para muitas coisas, inclusive dar uma volta no passado.
Santo Agostinho, um dos maiores filósofos
da Igreja Católica, nos ensina que, "o presente do passado é a
lembrança". Sendo assim, sempre que fico a conversar, cá com meus botões,
relembro o passado: a infância, a adolescência e a juventude no doce e familiar
Carpina.
Ontem falei com Zezinho Bezerra; Márcio
Adonso é meu vizinho e sempre nos encontramos. Hoje cedo liguei para falar com
Mineco. Ele disse aflito: "Estou me escondendo debaixo da cama".
Todos os dias dou uma olhada no grupo Embaixada Carpinense. Sinto falta do
abraço fraterno do amigo João Jovino. O Facebook faz com que Carpina esteja
sempre dentro de mim. Maravilha!
Depois de falar com Mineco resolvi dar
uma volta no passado, imaginando como seria Carpina há 50 anos, ou mais,
vivenciando uma pandemia de coronavírus.
Na minha "viagem", peguei a
bicicleta Monark da minha irmã Carol e comecei a passear pela cidade. Descobri
que todos estavam reclusos por conta da pandemia carpinense.
Como é esquisito nossa Carpina deserta!
A casa de seu Pirulito (Antônio
Cysneiros) está toda fechada. Todos estão trancados: ele, dona Coleta e
Gracinha. Poxa! Com esse negócio de pandemia nem vou poder ir pra missa com
Gracinha e Williams. E o Padre Leitão, como vai orientar o seu rebanho. Nem a
missa campal das 19h, aos domingos, vai poder ser celebrada.
Não vejo ninguém aqui na Avenida
Chateaubriand. Cadê Dito (Expedito Santos)? Está enclausurado junto com os
pais, irmãos e irmãs. Na casa de seu Álvaro do cinema também não vejo ninguém:
nem Damasceno, nem Afrânio e nem as meninas. Néo Maguary está seguindo à riscas
as recomendações de ficar em casa. Estou preocupado com as velhinhas do
Dispensário São José. O poeta, Luís de França, também está recluso.
Bom! Vou tomar outro rumo.
Nossa, quantas mães aflitas! Dona Aracy
Carneiro está procurando Mineco; dona Rosalva grita chamando por Rui; dona
Risete está à procura de Renato; dona Brandina me perguntou se eu vi o Marcos
Paiva enquanto dona Josefa Alves busca Márcio Adonso. É isso aí: mães zelosas,
filhos travessos.
O grandão Lapenda acabou de entrar em
casa. Isso é sinal de que a Bazuca está fechada. E como é que Birau vai fazer
para reunir os amigos? Gil Guedes, meu guru político, vai ficar sem ler as
últimas edições do Pasquim.
Seu Costinha já trancou toda a prole.
Ninguém de fora pode entrar para rezar o terço. Johny, Josenildo e Sílvio estão
proibidos, temporariamente, de namorar com Jesus, Carminha e Deca,
respectivamente. Ih! Deda também não pode ir para casa de Rosineide. Seu Marcos
deu o recado para Zito, Nilson, Severino e Adelma: "Ninguém sai".
O professor Rezende suspendeu as aulas no
Pio X. Sula, Galego e Aldenis, assim como Luís de França (Casado), estão
arretados porque não vai ter a pelada do vôlei.
A bomba de seu Firmino também fechou, o
mesmo acontece com o Lanche Bem de Miranda; o bar de Dedé e a sorveteria de
Rafael.
Nem os cartazes dos cinemas estão nos
postes. Esse negócio de pandemia é sério mesmo.
O velho Jaime Gomes só faltou enfartar
quando dona Maru disse que ele tinha que fechar o Bom.
Seu Valfrido pegou Maurinho pela mão e
fechou a loja. Seu Neco sapateiro seguiu o exemplo. O comércio da rua do
mercado está todo fechado. Seu Salgado foi o último a fechar a loja. O primeiro
foi seu Jaime, que logo se recolheu junto com Jaiminho e Jairo.
Seu Júlio Rosa e dona Verilda guardaram
todos em casa: Solon, Edson, Edmilson, Edvaldo, Dina e Julhinho. O mesmo fez
seu Bitonho que ficou com dona Judite trancafiados nas Tabocas com Williams,
Lebre e Alexandre.
O velho João Marques acabou de fechar a
barbearia. Foi pra casa. Ficar de quarentena junto com os quatro filhos, com
Duca tocando sanfona não é tão difícil. O problema é segurar Paulo Marques que
está sempre querendo sair para caçar raposa junto com Zequinha Vieira da Cunha.
Paulo até falou da possibilidade de apresentar shows na Ação Paroquial. O cabra
é irrequieto.
Estou pedalando em direção a Igreja de
São Sebastião. Seu Lapa reuniu os filhos (Carlos, Jorge, Joaquim, José e
Beatriz), e fez ver a eles a importância de se resguardar em casa. Não vai ser
fácil prender os marmanjos. O mesmo acontece com João do Bode.
Agora há pouco, seu João Carneiro passou
correndo na sua lambreta. Foi conferir se todos os filhos chegaram em casa.
Seu Antônio das Jóias ordenou para que
todos os filhos ficassem em casa. Nem o folclórico Papata estou conseguindo ver
nas ruas desertas e nem Engole Cobra, que gosta de fazer plantão defronte o
hotel de seu Gabriel. Alguém viu Biu Doido?
Dr. Gentil, da gentileza, e da nobreza de
Pernambuco... por onde andas?
Acho que a Rádio Planalto não vai fechar.
Comunicação é serviço essencial. Dona Ceci foi trabalhar e vai fazer
revezamento com Natan Lucas. . Quito e Fred estão sem saber se vai haver ensaio
dos Lobos. Joca e Nenem topam a parada, mas Cláudio Caneca e Carlos estão
receosos.
Seu Newton está esperando o último ônibus
chegar do Recife. Seu Cacilde já se recolheu. Até o velho Gervasio guardou a
ambulância. Seu João da Banca está na frente da casa papeando com Antônio
Rodolfo.
Zito, Zezinho, Paulo e Calila são filhos
obedientes e estão todos em casa. Dr. Aranha e dona Hercília já chamaram
Benjamim. Seu Bione mandou o grandão Edmilson de aquietar. Eraldo é mais
comportado.
Dr. Fontes acabou de colocar um cadeado
no portão. É o único jeito de segurar Fernando em casa.
Já pedalei muito na bicicleta do tempo,
acho que é hora de ir para casa.
Estou passando pela casa de Dona Virgília
e não vejo ninguém. Tia Creuza já enclausurou Mituca, Creuzinha e Aneliza.
Para dona Lourdes não abrir a biblioteca
tem que ser uma coisa muito séria. Ela ama o trabalho tanto quanto ama o filho,
Fernando Monteiro.
Silêncio sepulcral no Lenhadores. Evinha
e Lúcia Aprígio, eternas madrinhas do clube, devem estar tristes.
Sinto falta dos bailes. As belas filhas
de seu Firmino tinham um brilho especial; Alba Moura com sua discreta elegância
e charme sedutor...
Nesse tempo de pandemia nem assustado
podemos fazer. Haroldo Salgado estava P da vida.
Olha outra bicicleta!
É seu Zé
do Álcool passeando com seu papagaio no ombro. Com a cidade deserta, ele
parece um zumbi.
De repente o silêncio foi quebrado com um
abrir de porta. Era seu Bio varrendo o Lenhadores. Ele falou que as únicas
almas que passaram para tirar seu sossego foi Marcos Lima (Pitoco) e Valdemir
Lobato (Pimenta). Como sempre gritaram: "Dr. Satã!" e correram pela
rua das Tamarinas.
Não arrisquei ir na entrada da cidade
para ver como Dr. Vespasiano fez para
manter as meninas livres do coronavírus. Belas meninas!
Eita! Joãozinho fiscal deu um grito me
mandando pra casa. Vou me recolher. Ele é como um irmão mais velho para mim.
Tenho que obedecer. Gente!
A pandemia carpinense é uma obra de
ficção. Coisa do imaginário de quem está recluso e resolveu dar uma volta no
tempo.
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